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Sylvio de Magalhães Padilha

Sylvio de Magalhães Padilha

modalidade

Atletismo

data e local de nascimento

05/06/1909

Niterói , Brasil

BIOGRAFIA

Sem glamour algum, com uma perna quebrada, bons resultados no currículo e pouca ou nenhuma noção do que o esperava naquela longa e penosa viagem rumo aos Estados Unidos, o carioca Sylvio de Magalhães Padilha embarcou no navio Itaquicê a caminho dos Jogos de 1932. Junto com ele, outros 81 jovens atletas que integravam a delegação brasileira que disputariam os Jogos Olímpicos em Los Angeles. Era a primeira vez que Padilha ultrapassava as fronteiras da América do Sul para aquela que seria a primeira das 15 edições olímpicas que fariam parte da sua vida.

“Aos 25 de junho de 1932, partimos a bordo do Itaquicê rumo a Los Angeles, numa penosíssima viagem de 27 dias...”, escreveu Padilha nas primeiras linhas do seu Diário de Bordo, um documento riquíssimo, com todos os detalhes da jornada.
“Ao escrever esses apontamentos, ele deixou o único relato, dia a dia, da aventura que foi a participação do Brasil nos Jogos Olímpicos de 1932. Inegavelmente, uma contribuição importante para a história e memória do olimpismo no Brasil”, compartilha a pesquisadora e escritora Laurete Godoy, autora dos livros "Os Jogos Olímpicos na Grécia Antiga" (1996), "Os Olímpicos – Deuses e Jogos Gregos" (2012) e "Os Olimpiônicos – Heróis e Jogos Modernos" (2012).

Laurete conta que a delegação brasileira enfrentou uma viagem atribulada rumo à cidade-sede. Segundo ela, para conseguir ajuda financeira para a equipe, 55 mil sacas de café foram embarcadas no navio para serem vendidas pelos atletas em todos os portos, desde o Rio de Janeiro até a Califórnia.

“Esse Diário de Bordo é um documento único, porque o Itaquicê por si só merece um filme. Ele ganhou o apelido de navio fantasma. Também tem aquele relato de que eles tiveram que disfarçar o navio de embarcação de guerra, para poder passar pagando menos no Canal do Panamá; a venda do café. Nesse diário, meu avô conta o que foi a peripécia ou a Torre de Babel, como ele classificou a aventura no navio”, conta o advogado Alberto Murray, ex-membro da Assembleia do Comitê Olímpico do Brasil e neto de Padilha, lembrando que jornalistas fizeram livros a respeito dessa expedição.

Ainda muito jovem, com apenas 22 anos, Sylvio de Magalhães Padilha escrevia em seu Diário de Bordo uma análise que já prenunciava seu futuro como dirigente.

“O enfoque dele é crítico, a preparação da equipe que havia sido mal feita, o embarque que também estava em desacordo com aquilo que seria o melhor para os atletas naquele momento... Ele relata que muitos atletas ali não tinham a consciência nem a sensação do que era ir para os Jogos Olímpicos, representando o seu país, e que levavam aquilo meio na brincadeira. É a visão de um menino, um atleta com olhar crítico em razão daquilo que poderia ser melhor para uma delegação esportiva”, opina Murray.

 

Preconceito


Bem diferente dos dias atuais, quando os atletas olímpicos são celebrados como ídolos, alguns até com status de celebridade, no início dos anos 1930, representar o país nos Jogos Olímpicos não tinha nada de especial para grande parte da população.

“Provavelmente, as críticas aos esportistas tenham sido consequência de uma guerra declarada pelos intelectuais da época, que consideravam os atletas indivíduos ociosos”, diz Laurete Godoy.

Havia exceções entre os intelectuais, nem todos eram críticos em relação aos atletas. Embora não houvesse os flashes e o batalhão de repórteres característicos do embarque das equipes olímpicas, a delegação de 1932 foi brindada com uma festa no Fluminense Football Club, no Rio de Janeiro, como despedida. Laurete destaca que, durante o evento, o escritor Coelho Netto, considerado o príncipe dos prosadores brasileiros, grande incentivador do esporte no país, fez um discurso de despedida, onde dizia:

“(...) pela bandeira do Brasil, por nós todos, pelos nossos brios e a nossa glória, o vosso combate. Não esqueçais não, rapazes, que é o Brasil, que é a pátria, que são mais de quatro séculos de energia, de amor, de aventura, que é o Brasil que levais nos músculos.”

 

Chances na estreia


Na opinião de Alberto Murray, Padilha foi o nosso primeiro grande atleta de nível internacional.

“Naquela época, ele já tinha tempos tanto nos 400m quanto nos 110m com barreiras, em nível mundial. Era o nosso único atleta com resultados em nível internacional em qualquer modalidade”, revela. “Ele não foi adiante nas provas eliminatórias nos Jogos de 1932 porque embarcou com a perna quebrada e tirou o gesso durante a viagem. Ele quebrara a perna num acidente de montaria de cavalo, no Exército. Eram duas pessoas, os cavalos dispararam e o companheiro dele faleceu [...]”, completa.

 

Atleta por acaso


Filho do João Avelino de Magalhães Padilha, oficial da Marinha e campeão de esgrima, e de dona Thereza de Magalhães Padilha, Sylvio nasceu em Niterói, em 5 de junho de 1909. Perdeu a mãe muito cedo, por isso, desde pequeno estudou no Colégio Militar. Treinou natação, vôlei, futebol e esgrima, mas sua paixão maior era o basquete. Um dia, ao acompanhar um amigo que treinava atletismo no América, no Rio de Janeiro, chamou a atenção pelo seu porte – tinha quase 1,90m de altura - e foi incentivado pelo treinador a começar a praticar atletismo. Aceitou a sugestão. Um ano depois, em 1927, transferiu-se para o Fluminense, que oferecia melhores condições de treinamento, e começou a se destacar. Aos 18 anos, disputou sua primeira competição oficial e foi terceiro colocado na prova dos 110m com barreiras no Campeonato Brasileiro de Atletismo Adulto. Em 1928, alcançou seu primeiro recorde nacional, nos 100m rasos. Ao todo foram 11 recordes brasileiros e seis sul-americanos. Sua trajetória no esporte acontecia paralelamente à sua carreira como militar do Exército.

 

Fazendo história


Em 1933, Padilha foi transferido para São Paulo pelas suas atribuições militares e começou a treinar no Clube Espéria, com o austríaco Emmannuel Matula, que também era técnico da seleção brasileira de atletismo. Com um treinamento mais focado nos 400m com barreiras - o objetivo era chegar à final olímpica - ele deixou os 110m com barreiras de lado e passou a bater recorde sobre recorde.

“O final da preparação para os Jogos de 36 foi feito num terreno baldio do lado do Espéria, um descampado, onde hoje é a Marginal Tietê. E era difícil treinar ali. O Espéria era a base da seleção brasileira de atletismo e a pista do clube, muito boa para os padrões da época, estava passando por reformas”, detalha Alberto Murray.
Os Jogos de Berlim aconteceram no auge do nazismo. Racismo e preconceito eram comuns na época. Coincidência ou não, antes da semifinal da prova dos 400m com barreiras, quando os técnicos estavam com os seus atletas no túnel, fazendo os preparativos finais, o húngaro József Kovács, recordista e campeão europeu dos 400m com barreiras, deu início a uma guerra de nervos, provocando os adversários, um por um.

“Ele disse que já estava na final porque ali tinha um que era fraco, o outro que era isso, o outro que era aquilo. Aí disse: ‘Tem o brasileiro ali, que vem de um país de macacos’. Ele falou isso em alemão e o Matula traduziu para o meu avô. Ele não se alterou. Acredito que, naquele momento, o técnico do Brasil entendeu que aquilo podia ser um estímulo para ele, por isso traduziu”, supõe Murray, que avalia aquela semifinal como a prova mais importante da vida do seu avô.

Ironicamente, Kovács, que era um dos favoritos à medalha, ficou fora da final, que reunia apenas os seis melhores tempos e não os oito, como atualmente.

Sylvio Padilha conseguiu a sonhada classificação e entrou para a história como o primeiro sul-americano a disputar uma final olímpica no atletismo. O quinto lugar na prova foi um grande feito.

“O Padilha poderia ter subido ao pódio nos Jogos de Berlim, mas como ele mesmo falava, faltou um pouco mais de traquejo”, relata o jornalista Sílvio Lancellotti, filho do atleta Eduardo Lancellotti, um dos adversários diretos de Padilha nas pistas.

Os jornais da época destacaram o feito do brasileiro.

“O Brasil não chegava à final em coisa nenhuma, só tinha coisas muito esporádicas. Teve o pessoal do tiro, nos Jogos de 1920, mas aí a gente tem um hiato enorme até 1932. Um brasileiro chegando à final não era comum”, ressalta Murray, lembrando que a nadadora Piedade Coutinho também disputou uma final, ficando em quinto lugar nos 400m livre. “Foram os nossos dois grandes resultados, os primeiros. Meu avô e a Piedade Coutinho colocaram o nome do Brasil no mapa do esporte olímpico mundial em suas modalidades”, conclui.

 

Depois do feito, ameaça de punição


A boa atuação rendeu a Padilha convites para competir em torneios na Europa. Com isso, o retorno ao Brasil excederia em um dia a licença concedida pelo governo brasileiro e, por ser capitão do Exército, ele deveria receber uma punição por indisciplina.

“Meu avô era militar, funcionário público, quando voltasse seria punido pelo Exército porque estava atrasado na reapresentação, além de ter o ponto cortado”, conta Alberto Murray. “Ao ser divulgada a notícia, o embaixador da Finlândia procurou o presidente Getúlio Vargas e disse-lhe que, embora militar, Padilha realizara a façanha de ter sido finalista olímpico. Deveria receber um prêmio do governo, não uma punição. Deu certo e o capitão Padilha não foi punido pelo atraso”, esclarece Laurete Godoy, pesquisadora, escritora e campeã sul-americana dos 4x100m em 1961.

 

O melhor do mundo


Os melhores resultados da carreira do atleta Padilha vieram depois de Berlim. Naquela época, intercâmbios eram raros e os atletas pouco conheciam sobre o que se fazia no exterior em termos de treinamento, nutrição e fisiologia. A comunicação e o deslocamento eram muito mais difíceis. Em 1939, ele foi o grande destaque do Brasil ao conquistar quatro medalhas de ouro no Campeonato Sul-americano, em Lima, no Peru: 400m com barreiras, 400m rasos, 4x100m e 4x400m. Além de capitão da equipe, atuou como chefe da delegação e congressista.

Foi a primeira vitória de uma delegação brasileira fora das nossas fronteiras. Um fim glorioso para uma expedição que começou confusa.

“Eles saíram do Rio de Janeiro de trem e quando chegaram à Argentina, a CBD (Confederação Brasileira de Desportos), que era responsável pelo envio das delegações, mandou um telegrama, dizendo que o dinheiro para aquela competição tinha acabado e que ficava a critério dos atletas seguir viagem por conta própria ou voltar para o Rio. Meu avô reuniu a equipe toda e eles fizeram uma força-tarefa para seguir até Lima”, explica Murray.

Neste mesmo ano de 1939, Sylvio Padilha era o primeiro do ranking mundial dos 400m com barreiras. Tal feito, somado à performance no Sul-Americano, garantiu a ele o Helms Trophy, outorgado pela americana Helms Athletic, ao atleta que, segundo seus membros especialistas, fosse considerado o maior do mundo em todas as modalidades esportivas.

 

Favoritismo que não aconteceu


Em 1939, Padilha talvez tenha vivido o melhor momento de sua carreira. Naquele ano, era considerado um dos favoritos à medalha de ouro na prova dos 400m metros com barreiras dos Jogos Olímpicos Tóquio 1940. Por conta da Segunda Guerra Mundial, as edições de 1940 e de 1944 não aconteceram, e a medalha ficou no plano das possibilidades.

“Era muito provável que em 1940 e, acho que até em 1944, pelos resultados que tinha, ele viesse a conquistar uma medalha olímpica. Dos seis finalistas da prova nos Jogos de Berlim 1936, quatro morreram na guerra e o campeão olímpico parou de competir. Só o meu avô continuava vivo e competindo, as chances dele eram muito grandes”, projeta Alberto Murray, que considera o Troféu Helms como um substituto à altura da medalha olímpica que não pode ser disputada em Tóquio.

 

A medalha fez falta?


“Ele nunca comentou isso, mas eu nunca o vi se lamentar pelo fato de não ter disputado os Jogos Olímpicos 1940 e deixado de ganhar uma medalha que - embora seja muito difícil de dizer isso numa competição como essa - era certa”, divide Murray.

“Ele era o primeiro do mundo! A guerra foi horrível, ele tinha uma preocupação muito maior com a guerra do que exatamente com o fato de não ter ido à Olimpíada. Ele não era nada saudosista nem frustrado. Tinha boas lembranças, mas não se apegava a elas. O que passou, passou”, enfatiza Sônia de Magalhães Padilha Murray, filha caçula do major.

 

Marco na história do esporte


Padilha ainda atuava como atleta quando começou a ser designado pela CBD para chefiar delegações do Brasil em missões internacionais. Em 1939, o governador Adhemar de Barros, de quem ele se tornaria um grande amigo, criou o Departamento Estadual de Educação Física e Esportes de São Paulo (DEFE) e o convidou para ser o diretor.

“Nessa época, ele era um atleta de altíssimo rendimento e, ao mesmo tempo, capitão do Exército. As coisas foram se misturando ao longo do tempo. Acho que foi natural se tornar dirigente, pois meu avô tinha muita presença, impunha respeito. Sabe aquelas pessoas que entram num lugar e você sente que ela está ali? Era um espírito de liderança natural”, comenta Alberto Murray.

À frente do DEFE, Padilha regulamentou a profissão de professor de Educação Física e fez as leis que tornaram as aulas de Educação Física obrigatórias nas escolas. Ele também criou os Jogos Abertos do Interior (conhecidos como a “Olimpíada caipira”), o Troféu Bandeirante, o Troféu Brasil de Atletismo – que, inicialmente, se chamava Troféu Adhemar de Barros - e uma série de outras competições.

“Ele foi o responsável por criar toda essa base do esporte, porque não existia nada. Construiu os primeiros centros poliesportivos da capital e depois vários pelo interior do Estado. O primeiro foi o Baby Barioni, na Água Branca, depois o Ibirapuera. A criação dessas competições e desses centros poliesportivos foi o grande marco, o grande legado que ele deixou para o esporte. O governo federal só veio se interessar pelo esporte efetivamente, oficializá-lo como uma coisa de Estado, depois que São Paulo já tinha feito”, orgulha-se o neto.
 

Firmes convicções


Como dirigente Sylvio Padilha adotou algumas posturas que foram consideradas transgressoras pelo governo de Getúlio Vargas, na época do Estado Novo. Alberto Murray relata que havia uma ordem, vinda do governo federal, para que os clubes de colônias dos países do eixo – Alemanha, Japão e Itália - encerrassem suas atividades no Brasil todo na época da guerra.

A diretoria do DEFE era um cargo equivalente ao de secretário de esportes, nos dias de hoje. Para impedir que os clubes fossem fechados, o que seria um grande prejuízo para o esporte no Brasil, Padilha acomodou as coisas, sugerindo que mudassem de nome. Assim, o Sport Club Germania tornou-se Esporte Clube Pinheiros, o Palestra Itália virou Palmeiras, o Club Esperia Società Italiana di Canottieri passou a ser Associação Desportiva Floresta e o Clube Alemão de Vela se transformou em Yatch Club Santo Amaro. Muitos atletas e medalhistas olímpicos nasceram nesses clubes.

No pós-guerra, Padilha convidou os “Peixes Voadores”, equipe de natação japonesa composta por recordistas mundiais, para fazer demonstrações na capital e no interior de São Paulo.

“Primeiro, o Getúlio se opôs à vinda deles, disse que não era para convidar. Depois que eles chegaram, recomendou que, durante as apresentações, não se tocasse o hino nem se hasteasse a bandeira do Japão”, destaca Murray.

“Meu avô rechaçou as restrições, alegando que eles viriam como uma delegação esportiva e seriam recebidos com todas as honras em São Paulo. O Japão era um país proibido no mundo dominado pelos aliados, fundamentalmente pelos americanos. Era um país que tinha se rendido na guerra e estava praticamente proibido. Foi a primeira delegação japonesa, em qualquer segmento, não só esportivo, que foi a outro país representando o Japão depois da guerra”, emenda.

A passagem dos “Peixes Voadores” por São Paulo gerou grande gratidão por parte dos japoneses e foi considerada como uma afronta pelo governo brasileiro, mas rendeu bons frutos. Durante a apresentação da equipe em Marília, Tetsuo Okamoto se interessou pelo esporte. Nos Jogos Helsinque 1952, ele se tornou o primeiro brasileiro a conquistar uma medalha olímpica na natação. Anos mais tarde, Major Padilha foi convidado para ir ao Japão como a primeira autoridade estatal recebida em viagem oficial no pós-guerra. Lá, como homenagem, recebeu a Ordem do Sol Nascente e a “Espada dos Samurais”, das mãos do Imperador Hiroito.

Depois de criticar as leis de esporte em nível federal, criadas pelo governo de Getúlio Vargas, o Major Padilha foi transferido pelo Exército para Passo Fundo.

“Na época, a cidade não tinha luz elétrica, não tinha água quente... Ele ficou lá um tempo e depois decidiu sair do Exército, em razão de posições claras, tomadas sempre em defesa dos interesses do esporte. O esporte foi a grande prioridade da vida dele, a tal ponto de ter sacrificado sua vida profissional no Exército Brasileiro”, diz Alberto Murray.

 

Histórias da ditadura


Durante a ditadura de 1964, Sylvio Padilha teve posicionamentos pouco ortodoxos para um militar, mesmo da reserva. Logo após a instauração do regime militar, quando o deputado federal Rogê Ferreira, presidente do Conselho Nacional de Desportos (CND), do qual Padilha era vice, foi cassado pelo Ato Institucional número 1, o major não negou apoio ao amigo.

“O Rogê saiu na primeira lista de cassação, em 9 de abril, e ficou desesperado, sem saber o que iria acontecer. A preocupação era porque ele tinha que pegar um avião para voltar para São Paulo. Meu avô ligou para o Rogê e disse: você pode pegar um avião e vir que eu vou te esperar em Congonhas. Ninguém vai fazer nada, eu vou te dar toda proteção. Inclusive, em solidariedade ao Rogê, ele pediu demissão do CND. O presidente Castelo Branco insistiu que ele ficasse, mas ele não ficou”, relembra Murray.

“Apesar de os generais todos terem sido superiores dele na Escola Militar, na Escola de Cadetes, ele não concordava com aquilo”, constata Sônia, a filha caçula.

Outro episódio emblemático aconteceu no embarque da delegação brasileira para os Jogos Olímpicos de Londres-1964. Waldemar Zumbano, tio de Eder Jofre, era o técnico da equipe de Boxe e recebeu ordem de prisão no Aeroporto de Congonhas, por ser filiado ao Partido Comunista Brasileiro - PCB.

“Na hora do embarque, um oficial de plantão prendeu o Zumbano e disse que ele ia ficar no Brasil. Meu avô argumentou com ele, dizendo: 'Não é uma questão de patente porque a minha é maior do que a sua. Eu poderia mandar você soltá-lo, mas aqui quem está falando com você é o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, e isso é uma delegação olímpica, não tem nada a ver com nenhuma questão de partido, de política, nada disso. Ele foi convocado para integrar essa delegação olímpica. Ou você o solta e ele embarca conosco ou todo esse pessoal que está aí volta para casa. O Brasil não vai aos Jogos, e o mundo vai saber que você é o culpado!' Acho que o cara pensou bem e achou melhor liberar o Zumbano”, diverte-se Alberto Murray.

 

Comitês olímpicos


Sylvio de Magalhães Padilha encerrou sua carreira de atleta em 1947, mesmo ano em que saiu do Exército. Foi diretor da Escola de Educação Física de São Paulo (atual Faculdade de Educação Física da Universidade de São Paulo), e diretor geral do Clube Paulistano. No mesmo ano, tornou-se Diretor Técnico do Comitê Olímpico Brasileiro (COB). Em 1948, marcou presença nos Jogos de Londres, como chefe da Missão Brasileira nos Jogos e foi o porta-bandeira da delegação.

Foi de responsabilidade da cidade de São Paulo sediar, em 1963, os IV Jogos Pan-Americanos, que contaram com a participação de 1.665 atletas de 22 países. No núcleo do comando do Comitê Organizador estava o Major Padilha. No mesmo ano, ele se tornou presidente do COB, onde permaneceu até 1990.

Em 1964, Major Padilha ingressou no Comitê Olímpico Internacional – COI, onde integrou o Comitê Executivo, foi vice-presidente e fez parte de algumas importantes comissões, como a que decidiu pela expulsão do Rodésia, atual Zimbábue, do movimento olímpico, após a constatação da existência de racismo flagrante no país; e a que decidiu pela inclusão da China nos Jogos Olímpicos. Ele também se posicionou contra ao boicote às Olimpíadas de Moscou-1980 e de Los Angeles-1984.

“O boicote é uma arma que nós repudiamos no Comitê Olímpico Internacional, a fim de que não haja essa confusão entre esporte e política [...]”, sentenciou o Major Padilha, em entrevista à TV Cultura.

 

Lutando pelo esporte


Em 1990, após 27 anos de exercício, ele deixou a presidência do COB. Em sua gestão, o Brasil disputou sete Jogos Olímpicos e conquistou 24 medalhas.

“Meu avô era um olímpico na essência da palavra. Ele sempre teve uma coisa em mente: muito mais importante do que ganhar uma, duas ou três medalhas e mais nada, era ter uma gama de pessoas, num país continental como o nosso, chegando às semifinais, às finais, ou seja, construindo uma base de atletas. Naquela época era muito difícil levar uma delegação para os Jogos Olímpicos. Algumas vezes ele teve que pedir empréstimo no banco e avalizar com bem pessoal, com a própria casa, para levar a delegação aos Jogos Pan-americanos, Jogos Olímpicos. Na volta precisava pedir para o Ministério da Educação cobrir”, revela Alberto Murray.

Mesmo depois de deixar o COB e de se recuperar de um aneurisma cerebral, sofrido em 1989, que o forçou a reaprender a falar, ler e escrever, Padilha esteve presente nos Jogos Barcelona 1992 e Atlanta 1996. Manteve-se atento ao movimento olímpico e ao esporte mundial até falecer, em 28 de agosto de 2002.

“No exercício de suas funções, no âmbito estadual e, posteriormente, nacional, o Major Padilha valorizou o aspecto educacional do esporte e sempre prestigiou professores, dirigentes, técnicos e atletas. Tudo isso justifica plenamente o motivo de ele merecer ouro olímpico, por sua atuação como dirigente esportivo”, opina a pesquisadora e ex-atleta Laurete Godoy.

 

Família olímpica


“Eu nunca fiz nada nem jogar pebolim. Tive aula de natação com a Maria Lenk, aula de tudo o que você possa imaginar, mas o esporte não era a minha vocação. Mesmo assim, me sinto uma olímpica. Eu tenho isso dentro de mim. A nossa família foi muita marcada pela paixão do meu pai pelo esporte”, declara Sônia de Magalhães Padilha Murray.

Já os filhos e netos do Major Padilha sempre foram envolvidos com o esporte. O filho Pedro foi secretário de esportes em São Paulo. O neto, Alberto Murray, praticou basquete, atletismo, correu seis maratonas e se formou em Estudos Olímpicos da Academia Olympica Internacional, na Grécia. Foi membro do COB e criou uma ONG com o nome do avô, a Symap, que desenvolve um projeto educacional com base no esporte junto a crianças e adolescentes de Paraisópolis, na capital paulista.

“No início, também trabalhávamos com esporte de alto rendimento e um dos nossos atletas, o Leandro Prates de Oliveira, foi campeão brasileiro, sul-americano e conquistou a medalha de ouro nos Jogos Pan-americanos Guadalajara 2011 nos 1500m rasos”, conta. “Os atletas Rodrigo Gomes da Rocha, que compete nos 100m e 200m rasos, e Tatiana Silva, do heptatlo, formados pelo projeto social, saíram de Paraisópolis, onde nasceram e cresceram, para treinar na Iowa Western Community College, nos Estados Unidos”.

Os filhos de Alberto foram para a seleção brasileira de esgrima, esporte praticado pelo pai do Major Padilha, bisavô deles. João Paulo Forman Murray, o mais velho, já disputou quatro Mundiais em categorias de base e ganhou a medalha de ouro da etapa da Guatemala da Copa do Mundo de Florete, em equipes mistas. Ele hoje estuda Administração Esportiva e Economia, na Syracuse University, nos Estados Unidos. Já Guilherme, o mais novo, acumula títulos de campeão brasileiro, medalhas sul-americanas e disputou Mundiais. Seu prêmio mais importante, porém, é o Fair Play Esportivo Mundial, a mais alta condecoração do Fair Play Esportivo ratificada oficialmente pelo COI.

Alberto Murray conta que, em 2014, aos 12 anos, durante a disputa das oitavas de final do Campeonato Pan-americano de Esgrima, em Aruba, Guilherme teve sua vitória confirmada, mas avisou a arbitragem que o toque marcado a seu favor, na verdade, não havia acontecido. O ponto foi revertido, e o neto do Major Padilha perdeu a chance de passar para a próxima fase. A honestidade, às vezes rara nas áreas de competição, foi atitude natural para o jovem atleta.

“Não esperava que eu chegasse a ser entrevistado por alguém só porque eu falei que não foi toque”, disse ele à reportagem da TV Folha.

Não há dúvida de que os princípios do olimpismo - a amizade, a compreensão mútua, a igualdade, a solidariedade e o fair play - regeram a atuação do Major Sylvio de Magalhães Padilha no esporte e na vida.

Sylvio de Magalhães Padilha
Vídeo

Sylvio Padilha é homenageado pelo Hall da Fama do COB 2019

Sylvio Padilha foi o primeiro sul-americano a disputar uma final olímpica no atletismo, nos Jogos Olímpicos de Berlim em 1936. Ele ficou em 5° lugar nos 400m com barreiras. Em Londres 1948 foi porta-bandeira na cerimônia de abertura e, após a aposentadoria como atleta, foi Presidente do COB entre 1963 e 1990. Padilha faleceu em 2002 e sua filha recebeu a homenagem feita pelo COB.

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RESULTADO EM DESTAQUE

ediçãoresultadoprova
Campeonato Sul-Americano de Atletismo Buenos Aires 1931
1º LugarOuro
400m c/ barreiras - Masculino
Campeonato Sul-Americano de Atletismo Lima 1939
1º LugarOuro
400m c/ barreiras - Masculino
Campeonato Sul-Americano de Atletismo Lima 1939
1º LugarOuro
400m rasos - Masculino
Campeonato Sul-Americano de Atletismo Lima 1939
1º LugarOuro
4x100m - Masculino
Campeonato Sul-Americano de Atletismo Lima 1939
1º LugarOuro
4x400m - Masculino

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