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Melânia Luz

Melânia Luz

modalidade

Atletismo

data e local de nascimento

06/01/1928

São Paulo , Brasil

BIOGRAFIA

Em 1948, os Jogos Olímpicos finalmente voltariam a acontecer após 12 anos. O mundo ainda se reconstruía após a Segunda Guerra Mundial, e o evento era mais um símbolo dessa retomada. Para competir em Londres, o Brasil montou uma delegação com 81 atletas, sendo 11 deles mulheres, cinco a mais do que na edição anterior, em Berlim 1936. Além de voltar a competir, os brasileiros estavam empolgados com a primeira viagem de avião da equipe. Até então, os atletas chegavam à Europa para o maior evento esportivo do planeta de navio.

Em meio a esse frenesi, um feito pioneiro passou despercebido na época e acabou sendo reconhecido e reverenciado à altura apenas décadas depois. Entre as esportistas brasileiras que embarcaram no voo da PanAir para o Reino Unido estava a corredora Melânia Luz, a primeira mulher negra a representar o Brasil em Jogos Olímpicos.

"Só comecei a entender o tamanho do feito de minha avó quando canais de TV passaram a procurá-la para entrevistas. Até uns 20 anos atrás, eu não tinha ideia. Sabia que ela era muito querida e respeitada. Todo mundo adorava minha avó. Mas só fui entender a importância da ida dela aos Jogos Olímpicos depois de muito tempo", revela o neto Thiago dos Santos Mariano Pires.

 

Início por acaso e a paixão pelo São Paulo


Melânia nasceu em São Paulo, no bairro do Bom Retiro. A data do nascimento foi 17 de maio de 1928, mas o registro do bebê aconteceu apenas em 1º de junho, deixando-a com duas datas para comemorar o aniversário. Os pais, Maria Aparecida da Luz e João Batista da Luz, uma dona de casa e um policial militar, eram torcedores do São Paulo e passaram a paixão para a filha.

Melânia cresceu no bairro do Canindé, onde, à época, ficavam a sede social e um centro de treinamento do clube paulistano. Um dia, foi assistir a uma competição de atletismo no São Paulo e recebeu o convite para começar a treinar. Aceitou e ficou. "Ela começou como amadora no São Paulo. Minha mãe sempre trabalhou, então durante muito tempo conciliava treino com trabalho", conta a filha Maria Emília.

No clube, a corredora foi treinar com o alemão Dietrich Gerner, treinador de Adhemar Ferreira da Silva, que se tornaria o primeiro bicampeão olímpico do Brasil e grande amigo da corredora –as duas estrelas douradas no escudo do São Paulo são em homenagem às medalhas de ouro de Adhemar. Foi no São Paulo também que ela estreitou ainda mais os laços com Wanda dos Santos, atleta olímpica dos Jogos Helsinque 1952 e Roma 1960. Wanda deixou o Palmeiras para treinar no tricolor a convite da amiga. As duas sofriam nos treinos do técnico alemão.

"Você não podia ficar brincando, não. Ele falava: “Não estou aqui para brincar com vocês. Estamos aqui para treinar, vocês têm um campeonato, vocês têm que treinar”, relembra Wanda em entrevista ao Globoesporte.com. “Nós num guenta, Melânia, como nós vamos aguentar?”, questionava Wanda, exausta.

Mais tarde, Wanda de tornou madrinha de Maria Emília, filha de Melânia. Apenas o futebol dividia as amigas. "Minha mãe contava que uma vez foi assistir a um jogo entre São Paulo e Corinthians com a Wanda. Ela, são-paulina roxa, e minha madrinha, corintiana. O Corinthians fez gol, minha mãe ficou nervosa, deu uma guarda-chuvada na cabeça da Wanda e foi embora. Deixou minha madrinha lá no Morumbi", diverte-se Maria Emília.

 

Chegada ao auge


A participação nos Jogos Olímpicos Londres 1948 aos 20 anos foi o auge da carreira de Melânia Luz. Naquela época, não era aconselhado às mulheres da equipe passarem tempo ao lado dos homens. Mas como única negra e sem muita afinidade com as demais atletas da delegação de atletismo, Melânia se sentia mais à vontade com seus conhecidos. Por isso, burlava as restrições impostas pela delegação para ficar com seus companheiros de São Paulo que também competiram em Londres: Adhemar Ferreira da Silva e os pugilistas Ralph Zumbano e Vicente dos Santos.

Na pista, Melânia não conseguiu grandes resultados, ficando fora das finais. Nos 200m rasos, foi a quarta colocada em sua bateria eliminatória, com 26s6. No revezamento 4x100m, no entanto, mesmo fora da briga por medalhas, conseguiu superar o recorde sul-americano ao lado de suas companheiras.

Melânia participou de Campeonatos Sul-americanos de 1947 a 1958. Entre seus feitos estão o bronze nos 100m e a prata nos 200m em Santiago 1947, e a prata nos 200m em Lima 1949. Como atleta do São Paulo, sua principal conquista foi o título dos 200m rasos e o vice dos 100m no Campeonato Brasileiro de 1946.

A atleta recebia bolsa de estudos em um colégio particular enquanto treinava no São Paulo. Quando terminou o equivalente ao ensino médio, porém, começou a trabalhar e ter menos tempo para se dedicar aos treinos. Ela atuou durante cerca de três décadas como técnica de laboratório, dividindo seu tempo entre o Instituto de Saúde e a Santa Casa de Misericórdia. Depois também prestou serviços ao Complexo Hospitalar Padre Bento.

A rotina puxada de dois empregos e treinos não permitiram a Melânia se manter em alto nível por muito tempo, e ela não conseguiu chegar aos Jogos Olímpicos Helsinque 1952. Naquela época, o atletismo era praticamente amador e não se ganhava o suficiente para viver do esporte.

 

Racismo


Melânia só entendeu a importância de seu pioneirismo muitos anos depois de pendurar as sapatilhas. "Na época de atleta, ela não tinha essa noção. Tenho muito orgulho de ser filha de Melânia Luz e saber da importância que ela teve junto às mulheres negras brasileiras e de baixa renda", diz Maria Emília.

Assim como na vida cotidiana, a corredora também sentia os efeitos do preconceito no esporte. A filha conta que, certa vez, Melânia foi competir no Pinheiros, tradicional clube de elite paulistano. Depois das provas, atletas negros pularam na piscina para celebrar: "Fecharam o clube", rememora Maria Emília.

O neto, Thiago, relembra uma história que a avó contava sobre o impacto que sua presença causava em viagens da delegação de atletismo pela América Latina. "Ela contava que as pessoas ficavam espantadas porque não era comum ver negros em muitos países. Diziam: 'Mira la negrita', 'Mira el pelo de la negrita' ('Olha a pretinha', 'Olha o cabelo da pretinha', em espanhol). Ao mesmo tempo que tinha um espanto em ver uma negra e tinha o racismo, as pessoas também ficavam encantadas porque ela tinha luz própria. Hoje consigo entender que minha avó era uma pessoa diferenciada. Ela dava conselho para o João do Pulo, contava histórias sobre o Eder Jofre…", diz Thiago.

Melânia também era muito leal às amizades e protetora. Certa vez partiu para cima de atletas japonesas que, achava, estavam falando mal de Wanda dos Santos. "Ela não deixava ninguém falar mal das amigas dela. Contava que foi pra cima das japonesas tomar satisfação gritando: "Por que estão falando mal da minha amiga? E aí ela pedia para as japonesas falarem em "Brasileiro" e não em Japonês para ela entender. Minha avó era muito íntegra e muito leal", conta o neto Thiago.

Em uma época em que se falava muito pouco sobre letramento racial, Melânia já tinha consciência de sua negritude. Na vitrola de sua casa tocavam Milton Nascimento, Emílio Santiago, Alcione, Gilberto Gil e Elza Soares, além de muito tango e bolero.

Quando Maria Emília começou a estudar Colégio Santana, apenas de brancos, Melânia tratou de tentar "blindar" a filha de possíveis manifestações racistas. Como já trabalhava na Santa Casa, mantida pela mesma irmandade de freiras da escola, conseguiu uma carta, enviada à direção do colégio, explicando de quem a menina era filha e pedindo atenção ao tratamento dado a ela.

Melânia também participava de reuniões na casa de Adhemar Ferreira da Silva, organizadas pela esposa do atleta, Elza, onde discutiam os problemas da vida das mulheres negras e formavam uma rede de apoio. "Hoje se fala mais sobre racismo. As pessoas olham com outros olhos, falam em força, resistência. O problema do racismo já temos, vamos procurar solução? Foi isso que minha mãe procurou, a solução. Ela tinha um espírito muito avançado", diz Maria Emília.

"Ela foi muito útil, muito amiga. Era adversária naquela hora na pista mas, acabou, não tem nada a ver. Querendo ajudar todo mundo, socorrer todo mundo", contou Aída dos Santos, atleta olímpica de Tóquio 1964 e Cidade do México 1968, em entrevista ao Globoesporte.com.

 

Transformação pelo esporte


Embora curta, a carreira de atleta transformou a vida de Melânia. Foi graças a suas passadas nas pistas que ela conseguiu viajar pelo mundo, conhecer novas pessoas e ser reconhecida. O esporte também moldou sua vida pessoal. Em uma viagem para competir no Rio de Janeiro, ela conheceu Waldemir Osório dos Santos, atleta do Vasco. Foi uma paixão avassaladora.

O casal teve apenas uma filha, Marília Emília, que não herdou o gosto pela prática esportiva, apesar da insistência dos pais. A família morava em São Paulo e, aos fins de semana, ia ao Clube Esperia ou ao Clube Tietê para praticar esportes. "O esporte fez com que ela conhecesse outros países, outras pessoas, que o casamento dela fosse comentado em São Paulo. Foi graças ao esporte que ela conseguiu todas essas coisas", diz Maria Emília.

Os dois ficaram casados por 29 anos, e foi Melânia quem cuidou do então ex-marido no fim da vida. Após a morte de Waldemir, a atleta voltou a calçar as sapatilhas para disputar torneios da categoria máster. O mais importante deles foi o Mundial de 1997, na África da Sul.

"Mamãe sempre falava da importância de a gente se exercitar, se manter saudável. Ela fez ginástica até o fim da vida", diz Maria Emília.

A filha conta que a mãe sofreu duas quedas e quebrou um fêmur em 2010, e outro em 2011. Graças aos cuidados que Melânia teve com o corpo ao longo do tempo, Maria Emília afirma que ela já estava andando sem andador cerca de um mês depois das fraturas.

O corpo guardou a memória atlética, mas a mente começou a falhar em 2007, quando Melânia foi diagnosticada com Mal de Alzheimer. A ex-atleta morreu em 21 de junho de 2016.

Melânia entrou para o Hall da Fama do COB em 2022. "Gostaria que a homenagem fosse em vida, ela teria ficado muito contente. Mas fico totalmente lisonjeada por ter carregado o nome da minha mãe e por saber que ela fez parte do Hall da Fama, do qual poucas pessoas, e tão importantes, fazem parte", afirma Maria Emília.

Melânia Luz
Vídeo

Melânia Luz Biografia para o Hall da Fama

Melânia Luz foi a primeira mulher negra a representar o Brasil nos Jogos Olímpicos. Em 1948, a corredora  viajou para Londres ao lado de outras 10 mulheres para a edição do evento que acontecia após a Segunda Guerra Mundial. 

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RESULTADO EM DESTAQUE

ediçãoresultadoprova
Sul-americano Santiago 1947
3º LugarBronze
100m - Feminino
Sul-americano Santiago 1947
2º LugarPrata
200m - Feminino
Sul-americano Lima 1948
2º LugarPrata
200m - Feminino

ACERVO

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