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Gustavo Borges

MODALIDADE

Natação

DATA E LOCAL DE NASCIMENTO

02/12/1972 | Ribeirão Preto, SP

JOGOS OLÍMPICOS

1992 | 1996 | 2000 | 2004 |

CONQUISTAS

8

Medalhas de Ouro

Jogos Pan-americanos Havana 1991 Jogos Pan-americanos Havana 1991 Jogos Pan-americanos Mar del Plata 1995 Jogos Pan-americanos Mar del Plata 1995 Jogos Pan-americanos Winnipeg 1999 Jogos Pan-americanos Winnipeg 1999 Jogos Pan-americanos Winnipeg 1999 Jogos Pan-americanos Santo Domingo 2003

10

Medalhas de Prata

Jogos Olímpicos Barcelona 1992 Jogos Olímpicos Atlanta 1996 Jogos Pan-americanos Havana 1991 Jogos Pan-americanos Havana 1991 Jogos Pan-americanos Mar del Plata 1995 Jogos Pan-americanos Mar del Plata 1995 Jogos Pan-americanos Mar del Plata 1995 Jogos Pan-americanos Winnipeg 1999 Jogos Pan-americanos Santo Domingo 2003 Jogos Pan-americanos Santo Domingo 2003

5

Medalhas de Bronze

Jogos Olímpicos Atlanta 1996 Jogos Olímpicos Sydney 2000 Jogos Pan-americanos Havana 1991 Jogos Pan-americanos Winnipeg 1999 Jogos Pan-americanos Santo Domingo 2003

medalhas olímpicas (pratas em Barcelona 1992 e Atlanta 1996 e bronzes em Atlanta 1996 e Sydney 2000)

pódios em Jogos Pan-americanos

Biografia

O medalhista que impulsionou a natação brasileira

Primeiro brasileiro a conquistar três medalhas olímpicas, primeiro a subir 19 vezes em pódios nos Jogos Pan-americanos, detentor de 12 medalhas em Campeonatos Mundiais: Gustavo Borges é um dos maiores nomes da natação do país.  Em 16 anos de carreira, foram quatro medalhas em quatro Jogos Olímpicos, quatro recordes mundiais quebrados e um exemplo de foco, determinação e disciplina que influenciou – e ainda influencia – jovens nadadores de norte a sul do Brasil. Os feitos de sua geração provocaram um boom na modalidade e reverberaram até o topo do pódio olímpico anos mais tarde. “Ter talento não seria suficiente, a sua disciplina e seu foco o levaram a ter essa brilhante carreira com longevidade e consistência. Disciplina foi seu maior trunfo”, analisa Alberto Silva, um dos técnicos que acompanharam o vice-campeão olímpico ao longo da carreira.  “Gustavo é um exemplo de atleta e de ser humano. Além de todas as suas conquistas como atleta, ele é um bom marido e pai, bom amigo, pessoa de caráter e com grande capacidade de empreender com todas as suas forças nos seus objetivos”. Influenciador de novos talentos A postura e os resultados de Borges pelo mundo fizeram dele um exemplo que motivou a geração vitoriosa da natação brasileira do início dos anos 2000.  “Gustavo Borges é uma referência na natação. Foi o percursor, atletas como eu e o César (Cielo, campeão olímpico) fomos muito motivados por ele. Sem falar em todas as conquistas que ele teve. Ele foi e continua sendo um grande ícone do esporte no Brasil”, opina o vice-campeão olímpico Thiago Pereira, prata nos 400m medley nos Jogos Londres 2012.   “Ele conseguiu, além das conquistas históricas nas piscinas olímpicas, tornar-se ídolo, o que auxiliou a formação de uma nova geração de grandes velocistas no Brasil”, afirma Rogério Romero, primeiro nadador no mundo a participar de cinco edições dos Jogos Olímpicos – Seul 1988, Barcelona 1992, Atlanta 1996, Sydney 2000 e Atenas 2004. “Ele foi um exemplo de atleta dedicado e profissional, inspirando novos nadadores, seja através da sua imagem, das suas apresentações em festivais ou pela sua metodologia própria. Certamente o impacto dele para a natação brasileira é muito grande, também como defensor da nossa modalidade”, completa. O ano de Mark SpitzFilho do empresário José Jovino Borges e da professora Diva França Borges, Gustavo França Borges nasceu, em Ribeirão Preto em 2 de dezembro de 1972, ano em que o norte-americano Mark Spitz encantou o mundo ao conquistar sete medalhas de ouro na natação dos Jogos Olímpicos em Munique, na Alemanha. A piscina, na infância, era só uma das muitas atividades que seus pais o incentivavam a fazer.  "Com 8 ou 9 anos, eu fazia natação, vôlei, basquete... Os meus pais incentivavam tanto eu quanto a minha irmã a praticar esporte. Na época, meus pais pensavam assim: vamos fazer esporte porque é organizado, porque tem a disciplina, o comprometimento. Vamos tirar essa molecada da televisão, de casa, da rua, porque, em cidade do interior, a gente ficava na rua o dia inteiro. O esporte dava uma certa organizada no tempo, e isso funcionou muito bem”, lembra Gustavo Borges.  “Nós nunca esperamos que o Gustavo fosse um campeão de natação, nós só queríamos que ele praticasse um esporte. Ele praticou diversos, até hipismo, e se encontrou na natação”, reforça José Jovino Borges, pai de Gustavo.    O incentivo dos pais, no entanto, foi fundamental para que o menino nascido num ano olímpico tão marcante para a natação se tornasse um dos maiores nomes da modalidade.  “A importância deles foi tremenda! Uma das grandes interferências, talvez a maior, principalmente para a criança, é o levar, o buscar e o estar presente. Alguns pais não valorizam isso. Por exemplo, deixa lá o filho, depois vai buscar. E a presença? E o estar lá? O esporte competitivo, principalmente na base, não é fácil. Natação, principalmente, é complicado para você se envolver. Você fica o dia inteiro lá para nadar duas provas. Não é igual futebol, basquete, vôlei, que tem um jogo, onde você está lá envolvido durante duas, três horas e acabou. Na natação, você vai estar envolvido durante o dia inteiro, durante o fim de semana inteiro [...]. Imagina você perder o churrasco, a praia, perder o seu fim de semana para sair de Ituverava e ir para Barretos, Franca, Ribeirão Preto, sei lá onde, acompanhar o seu filho numa competição?”, diz Gustavo.  Comoção  As primeiras braçadas de Gustavo aconteceram, aos oitos anos, sob a orientação da professora Ivana Junqueira de Castro, na Escolinha de Natação da Associação Atlética Ituveravense.  O primeiro pódio na natação aconteceu em 1981 numa competição entre escolas. O aluno da então quarta série da Escola Estadual Capitão Antônio Justino Falleiros, de Ituverava (SP), ficou em terceiro lugar na prova dos 50m. Pouco tempo depois, Associação Atlética Ituveravense contratou o técnico Luiz Carlos Borges, de Ribeirão Preto, provocando uma revolução.  “Imagina um treinador internacional chegando numa cidade pequena? A molecada, os pais, teve tipo uma comoção ali. Tinha uns 50, 60 moleques, que é um número gigante, numa piscina, todos entre 9 e 13 anos. Ali começou o meu envolvimento com o esporte”, declara o vice-campeão olímpico de Barcelona 1992 e Atlanta 1996. Viajando para treinar Borges destaca que a paixão pela natação só veio por volta dos 14 anos, quando começou a conquistar medalhas em disputas estaduais. “Eu já estava federado, ganhando uma medalha aqui, outra ali. Começou a ficar um pouco mais agradável, porque na competição você tem as premiações, que eram um incentivo. Eu gostava de nadar, e essa paixão foi crescendo. Na transição dos 14 para os 15 anos, eu deixei o vôlei de lado”, explica. “Primeiramente, os treinos dele eram em Ituverava, mas chegou num limite em que percebemos que ele tinha futuro na natação e precisava de um treino melhor. Foi quando ele começou a treinar em Franca. A mãe o levava, duas vezes por semana, para a outra cidade”, relembra Jovino Borges. A distância entre Ituverava e Franca é de 75,9 km, e a viagem durava cerca de uma hora. Dona Diva rodava 303,6km e investia quatro horas por semana para acompanhar o filho nos treinos. Ídolos Quando Ricardo Prado conquistou o ouro e bateu o recorde dos 400m medley (4min19s78) no Campeonato Mundial de Natação Guayaquil 1982, no Equador, Gustavo tinha nove anos, já praticava natação e entendia a importância do feito do brasileiro. “Em 1984, eu o vi ganhar a medalha de prata nos Jogos Olímpicos em Los Angeles. E, nos quatro anos seguintes à conquista do Ricardo, eu vi o Matt Biondi crescer. Foi uma transição entre o Ricardo e o Matt Biondi, os dois grandes atletas dentro da natação que mais me influenciaram. Um, por ser brasileiro, por ter toda aquela representatividade na minha infância, e o outro por nadar as mesmas provas que eu, por ser um atleta alto. Quando eu via o Matt Biondi, pensava: preciso nadar igual àquele cara. Essas referências foram superimportantes”, revela Borges, especialista em provas de 100m e 200m livre. “Para mim é muito gostoso, compensa bastante todo o meu esforço saber que eu servi de inspiração para um cara como o Gustavo. Acho que eu fiz a minha parte na década de 80, e é muito legal constatar que a gente foi inspiração para as próximas gerações”, diz o vice-campeão olímpico Ricardo Prado.      Saindo de casa Em 1987, o filho do meio da família Borges deixou a casa onde morava com os pais e as duas irmãs (Valéria e Mariana) e mudou-se para São Carlos.  “Fisicamente, eu fui sozinho. Mentalmente e emocionalmente, a minha família estava lá. Acho que foi um ato de coragem tremendo dos meus pais deixarem um jovem de 15 anos sair de casa baseados na confiança, na formação e no poder de decisão. Eu morei com duas pessoas mais velhas, um tinha 21 e outro tinha 23, uma coisa assim absurda. Em alguns momentos, eu enfrentava um pouquinho de solidão. Num domingo, ficar lá sozinho era a coisa mais dura dessa vida”, desabafa. “É muito difícil deixar o filho sair de casa, principalmente com 15 anos, mas nós nunca impedimos. Ele foi porque ele quis ir e nós apoiamos a ida dele. Eu tinha muitos negócios em São Paulo e, duas ou três vezes por mês, eu passava em São Carlos para vê-lo. A melhor equipe do interior era a de São Carlos”, diz José Jovino, pai do atleta.  Saindo do anonimato Um ano depois, Gustavo foi para São Paulo, onde passou a treinar e competir pelo EC Pinheiros. Entre 1989 e 1990, ele conquistou 16 medalhas em Campeonatos regionais e Brasileiros, 13 delas de ouro, estabelecendo nove recordes nas provas de 50m, 100m e 200m livre e nos revezamentos.  O ano de 1990 foi marcante: ele foi convocado, pela primeira vez, para a seleção brasileira e alcançou três medalhas de ouro no Campeonato Sul-americano, em Rosário, na Argentina: nos 50 m, 4x100m e 4x200m livre. Essas foram suas primeiras conquistas internacionais. No mesmo ano,  também foi bronze nos 4x100m livre na Copa Latina Internacional, no México.  A decisão de se mudar para o exterior também foi tomada em 1990. Os técnicos brasileiros insistiram para que ele permanecesse por aqui, mas o sonho do futuro medalhista olímpico incluía um visto de permanência no passaporte. Bye bye, Brasil Consolidado como um dos grandes nomes da natação brasileira, Gustavo Borges recebeu uma oferta irrecusável do então diretor técnico do Comitê Olímpico do Brasil, Renato Borges da Fonseca. “Ele falou para os meus pais que existia uma bolsa de um programa chamado Solidariedade Olímpica, uma divisão do COI, com cunho educacional, onde o atleta ganhava uma bolsa para estudar e treinar, onde quisesse. O foco era mais o esporte do que o estudo, você poderia ir para qualquer lugar. A gente ficou encantado”, recorda Gustavo.  Como a parte de educação era fundamental para a escolha do lugar para onde o atleta iria, a família partiu em busca de informações. “Para os meus pais era mais ou menos assim: ‘Se você não estudar, você não vai fazer mais nada. Você tem que estudar para depois você fazer alguma outra coisa’”, destaca. A decisão pelos Estados Unidos levou em conta a comodidade de morar e treinar no mesmo local e a possibilidade de dar sequência aos estudos e competir por alguma universidade.   “A escolha veio depois de conversas com várias pessoas da natação, inclusive com a Maria Lenk, que foi uma grande incentivadora. Ela e o diretor técnico do COB deram uma bela dica. Eles falaram: ‘Tem um lugar na Flórida, chamado Bolles Scholl, onde há vários atletas. É uma escola privada onde você pode morar, dormir, comer, e tem um treinador muito bom, com resultados espetaculares. Pode ser uma boa alternativa para o Gustavo, porque tem tudo num lugar só’”, relata.   O treinador da Bolles High School (equivalente ao ensino médio) era Gregg Troy, que era um técnico em ascensão à época. Nomes como Anthony Nesty, atleta do Suriname, que havia se tornado o primeiro negro campeão olímpico de natação, ao conquistar o ouro nos 100m borboleta, em Seul 1988, e Martín López-Zubero, espanhol que se tornaria campeão olímpico nos 200m costas em Barcelona 1992, além de alguns brasileiros já haviam passado por aquela escola.  Ainda em atividade, Troy treinou Caeleb Dressel, cinco vezes medalhista de ouro nos Jogos Olímpicos Tóquio 2020.  Mudança de mentalidadeGustavo Borges nunca havia saído do Brasil e chegou aos Estados Unidos sem conhecer ninguém e sem dominar a língua para viver um novo tempo. “Era um país completamente diferente numa série de coisas, mas o que eu tinha lá que era familiar para mim? O treino, a água, a competição. E aquilo fez uma conexão muito forte com os momentos e com as dificuldades que eu enfrentava. Eu estava num ambiente que era lúdico, gostoso, onde eu estava evoluindo, onde eu estava vencendo, onde eu estava me superando. O elemento água foi superimportante nessa transição”, analisa.  A rotina de estudos e treinos do brasileiro na América começava às 5h30 da manhã. Eram 16 km diários de braçadas, além da preparação física. “Ali eu vi o que era treinar realmente, estudar realmente, estar com a conexão escola-estudo muito alinhada. Ali eu percebi que tinha um caminho, um próximo passo universitário a seguir e que foi fantástico. Acho que abriu muito a minha mente”, compartilha.  “No início da década de 90, os treinos eram muito diferentes lá: mais volume, mais intensidade, parte física muito forte. Teve uma mudança significativa nos treinos. Outra mudança significativa, com certeza, foi o mindset, a maneira como eu estava encarando o esporte. A mentalidade do americano em relação ao 'do your best’ (faça o seu melhor) é fundamental. A gente usa pouco isso aqui no Brasil. O 'do your best' está muito relacionado à excelência, a você ser melhor hoje do que você foi ontem, a você dar um passo de cada vez em direção ao que quer”.  Conquistando medalhas e batendo recordes, Borges não precisou de muito tempo para se destacar nas competições e despertar a atenção dos técnicos de várias universidades norte-americanas. “Acredito que o Gustavo teve as bases familiar e técnica necessárias construídas no Brasil para amadurecer como atleta olímpico e de elite mundial nos Estados Unidos. Esse, eu diria, é o core da carreira dele”, pontua Alberto Silva, o Albertinho, técnico de Borges no Pinheiros. Bom resultado, sem medalha Borges começou o ano de 1991 batendo os recordes sul-americanos nos 50m e 100m livre – com 23s15 e 50s77, respectivamente – no seu primeiro Campeonato Mundial, em Perth, na Austrália, onde ficou em 12º nas duas provas.  “Fiz dois tempos muito relevantes ali. Em termos de grandiosidade, talvez essa tenha sido a minha primeira grande competição. Só que eu não fui protagonista. Eu estava nas beiradas, chegando ali”, destaca Gustavo.  Em agosto, estreou nos Jogos Pan-americanos em Havana, em Cuba. Segundo o pai de Gustavo, na véspera da disputa dos 100m rasos, a Rainha Hortência, do basquete, convocou os atletas brasileiros para prestigiarem o nadador. “Ela entrou no refeitório da Vila Pan-americana e falou: ‘Amanhã, nós temos que ir ver a prova dos 100m livre porque um brasileiro vai ganhar medalha’. E ela estava lá no dia da prova, torcendo por ele”, conta. Superando as expectativas, Borges estreou em grande estilo. Foram duas medalhas de ouro – 100m livre e 4x100m livre -, duas de prata – 200m livre e 4x200m livre - e uma de bronze – 50m livre.  “O Pan de 1991 foi minha primeira grande competição internacional em termos de resultado e exposição. Foi, tipo: cheguei para o mundo! Principalmente, a prova dos 100m nado livre, que foi marcante em relação a resultado. Aquilo me colocou entre os quatro melhores do mundo, num ano antes dos Jogos Olímpicos, ou seja, holofote total para o medalhista que está chegando. Foi mais ou menos isso o que aconteceu. Com 18 anos, você estar entre os quatro do mundo mexe com a turma”, avalia.  Com 49s48, ele bateu o recorde pan-americano da prova, tornando-se o primeiro brasileiro a nadar os 100m livre abaixo dos 50 segundos. Depois do Pan, Gustavo Borges chegou a Ituverava como herói. “Quando eu cheguei, teve tudo: teve frango com quiabo, festa, carro de bombeiro, discurso na praça. Foi feriado internacional em Ituverava. Um carinho gigantesco de uma cidade inteira, uma coisa louca. Muito legal isso!”, agradece.  Destaque no NCAA O sucesso de Gustavo na Flórida e no Pan consolidaram o interesse dos técnicos universitários pelo atleta. O brasileiro foi recrutado por diversas instituições renomadas no campo educacional e esportivo, como Universidade da Flórida, Universidade do Tennessee, Universidade do Alabama, UCLA e Cal Berkeley, entre outras. Gustavo, no entanto, optou pela Universidade de Michigan, onde seria treinado por uma lenda na natação americana, Jon Urbanchek.  No primeiro ano com a nova equipe, o nadador conquistou duas medalhas de ouro e uma de prata e o título de melhor atleta entre os estudantes novatos do NCAA, o campeonato universitário dos Estados Unidos. O emocional pesou na estreia olímpica O peso de estar nos Jogos Olímpicos atrapalhou a estreia de Gustavo Borges, na disputa dos 200m livre, em Barcelona 1992. Depois de uma noite mal dormida, o brasileiro chegou às piscinas Bernat Picornell na manhã de 26 de julho de 1992 e foi tomado pela ansiedade e pela insegurança diante da grandiosidade e da importância do evento.  “Entrei muito ansioso para competir os 200m, apesar de estar bem fisicamente. Eu poderia ter sido medalhista duas vezes já em 1992 pela forma como eu estava treinado e tudo mais. Só que uma prova saiu, e a outra não saiu. A que não saiu foi principalmente pelo aspecto de insegurança, de olhar e falar: ‘Cara, será que eu pertenço a isso aqui? Olha isso! O que será que vai acontecer?’. Foi uma espécie de deslumbre”, detalha Gustavo, que não conseguiu se classificar para a final. “Quando você quer tanto aquilo que ainda não tem, você perde o foco de fazer aquilo que você precisa fazer para dar o resultado. Eu quero tanto uma medalha, mas esqueço que aquela eliminatória é mais importante do que a medalha naquele momento. Eu quero tanto a medalha, que na noite anterior à prova eu preciso dormir, descansar, aquilo é mais importante do que ganhar a medalha, porque eu ainda não estou na final. E eu ainda não dormi e eu ainda não estou descansado para o dia seguinte. Uma má noite de sono pode ter influência no resultado, como já aconteceu algumas vezes. Aquela prova foi um bom exemplo de quando você foca mais em tudo aquilo sobre o que você não tem controle do que em tudo o que você precisa fazer”, explica Gustavo.  Uma prata com emoção O brasileiro teve uma atitude completamente diferente da estreia nos 100m livre, dois dias depois. O que mudou? “Eu peguei cada elemento que me fez ter um resultado negativo nos 200m, que ia desde a noite anterior de sono até a minha atitude perante a prova: aquecimento, confiança, estratégia de prova. Era só eu fazer o oposto do que eu fiz nos 200m, que, no mínimo, eu nadaria mais ou menos bem. Ruim eu não iria nadar. Tenho certeza absoluta”, analisa. Gustavo chegou em segundo lugar, atrás do russo Aleksandr Popov. Mas um problema no sensor da raia do brasileiro fez com que o resultado inicial o colocasse na oitava e última posição.  “Quando ele bateu e não apareceu a marca dele, eu fui com o Coaracy Nunes – então presidente da CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos)--  na área técnica. Chamamos o presidente da Confederação Internacional e levou mais de meia hora para que a medalha fosse confirmada. Aquilo foi uma alegria maravilhosa!”, compartilha o vice-campeão olímpico de vôlei Bernard Rajzman, Secretário Nacional de Esportes à época.    Na primeira revisão do resultado, Gustavo apareceu em quarto lugar, empatado com o norte-americano Matt Biondi, com o tempo de 49s53. Foram 40 minutos até que a segunda posição fosse confirmada, com 49s43, novo recorde sul-americano. Foi a primeira vez que o brasileiro venceu o ídolo-rival Matt Biondi, campeão olímpico em Seul 1988.  “Foi uma mistura de emoções, tive que exercitar muito a paciência. Eu estava muito chateado, porque quando você ganha uma medalha, você quer olhar no bloco e saber o que aconteceu. E eu não tive essa oportunidade”, queixa-se Gustavo. “Foi uma frustração porque você faz tudo, não diria perfeito, mas você tenta fazer tudo num nível alto de performance, de resultado e, na hora H, parece que alguma coisa falta. Não teve aquela comemoração na água.  Se vai para o VAR, você sabe que vai ter um ser humano que vai tomar uma decisão. Isso é a pior coisa para o esporte”.   Depois do susto e da expectativa, Gustavo apareceu feliz no pódio, comemorando com uma bandeira do Brasil nas mãos.  Frutos da conquista Gustavo conta que, ainda hoje, recebe muitos retornos de pessoas que foram impactadas por aquela conquista. Segundo ele, há alguns anos, uma senhora o abordou no EC Pinheiro e reproduziu, com detalhes, o que havia acompanhado pela televisão no dia da sua conquista em Barcelona, afirmando que aquela medalha de prata a havia inspirado a praticar natação.  “Caramba, essa mulher não sabia nadar, não fazia atividade física e hoje ela é uma senhora que está vivendo mais e vivendo melhor por conta de um resultado que eu tive lá, em 1992, de uma medalha que ela me viu ganhar. Ttransformou a vida dela”, emociona-se o vice-campeão olímpico. Depois da medalha em Barcelona, Gustavo Borges estabeleceu três novos recordes mundiais em piscina curta, tornando-se o quinto nadador brasileiro a quebrar um recorde mundial.  No Mundial de Palma de Mallorca, na Espanha, em 1993, ele conquistou o ouro nos 4x100m, prata nos 100m e bronze nos 4x200m livre. O vencedor dos 100m foi Fernando Scherer, o Xuxa, que foi um dos maiores rivais do vice-campeão olímpico até o final de sua carreira. A rivalidade dos dois, junto das medalhas, serviu de combustível para a natação brasileira, alçando os nadadores ao posto de ídolos. “O Xuxa foi o meu grande rival. A gente competia tanto internacionalmente quanto localmente. Ele treinava para as competições do Brasil e internacionais, e eu, para as competições internacionais e dos Estados Unidos. A gente se encontrava bem fisicamente nas provas internacionais, mas no Brasil, eu vinha e sofria. O Xuxa ganhou até eu sair da faculdade, ele dava pau em mim em muitas competições. Ele me deu muito pau! Mas era uma briga boa. Quando você não tem uma pessoa que só te pressiona dentro do seu país, que compete com você trambém fora, fica muito divertido, principalmente para a imprensa, para a mídia, para quem está assistindo. Foi uma época boa”, afirma Borges.  Duas vezes no pódio, em Atlanta Gustavo somou mais cinco medalhas para a sua coleção nos Jogos Pan-americanos Mar Del Plata, na Argentina, em 1995 – duas de ouro (100m e 200m livre) e três de prata (4x100m, 4x100m medley e 4x200m livre) e chegou à Atlanta mais maduro, mais preparado, sentindo que aqueles seriam seus Jogos. “Em 2000, eu estaria com 27 anos e não sabia se estaria nadando na próxima edição. Eu me sentia um atleta maduro com dois ciclos olímpicos”. Encarei de forma profissional, fui lá para trabalhar. Eu pensava: ‘Estou preparado, eu domino isso aqui, eu sei como é que funciona. E os resultados vieram”, festeja. O brasileiro conta que, quando não conseguiu se classificar para a final dos 200m livre em Barcelona, e estava batendo palmas para os seus adversários na arquibancada, seu técnico disse: “Beleza, hoje você assistiu a essa prova, amanhã você vai lá e ganha’. ˜E o amanhã do cara era quatro anos depois. A próxima vez que ia ter aquela prova era em 1996. E a hora que você joga a sua mente lá para o futuro, você imagina que pode, que você consegue, que aquilo é uma possibilidade real”, diz Gustavo.  Com a medalha de prata nos 200m e o bronze nos 100m livre, em Atlanta 996, Gustavo se tornou o primeiro brasileiro a conquistar três medalhas em Jogos Olímpicos. Dessa vez, ele teve a alegria de comemorar as conquistas dentro da piscina, assim que concluiu as provas.  Inspiração Bem distante de Atlanta, em Salvador, na Bahia, um jovem nadador de 18 anos começou a sonhar um sonho distante ao ver Gustavo Borges no pódio. “Eu sempre fui muito bom na região norte e nordeste, mas não tive uma ascensão a nível nacional. Até que, em 1996, eu assisti aos Jogos e vi o Gustavo ganhar duas medalhas. Eu estava sentado no sofá, na minha casa, e falei para mim mesmo: ‘Pô! Eu queria estar nadando junto com esse cara!’ Era uma coisa bem distante”, descreve Edvaldo Valério, o Bala. “Ele sempre foi uma inspiração. Eu colava fotos dele nos meus cadernos de escola. Nos dias em que eu estava cansado e não queria treinar, eu abria o caderno, via aquela imagem e aquilo me motivava. Ele teve uma influência contundente nas minhas pretensões e nos meus resultados. Era muito difícil imaginar que um cara vindo da Bahia pudesse ir aos Jogos Olímpicos e ganhar uma medalha olímpica”, reforça.  Em 1998, Bala nadou o Campeonato Mundial com Gustavo Borges, ficando na sétima posição. Em 1999, foi para os Jogos Pan-americanos em Winnipeg, no Canadá, como atleta reserva. Nos Jogos Olímpicos Sydney 2000, nadou o revezamento 4x100m livre e conquistou a medalha de bronze. Gustavo Borges estava na mesma equipe e subiram juntos ao pódio. RecordesNos quatro anos em que defendeu a Universidade de Michigan no NCAA, o brasileiro conquistou 10 títulos individuais e 24 no total. Foi o primeiro nadador depois de Matt Biondi, a conquistar o ouro nas 100 jardas estilo livre por três anos consecutivos, em 1994 (o campeonato universitário é disputado em piscina de jardas, não metros). Em 1995, como capitão, igualou-se a Matt Biondi ao vencer as 50, 100 e 200 jardas estilo livre e levou a equipe a vencer o NCAA depois de 34 anos. Gustavo formou-se em Economia, em 1997.   Gustavo Borges, ao longo de sua carreira, também construiu um legado de conquistas em Pan-americanos. Em Winnipeg 1999, foi ouro nos 4x100m medley, nos 200m livre e no 4x100m livre, prata nos 4x200m livre e bronze nos 100m livre. Com isso, tornou-se à época um dos recordistas brasileiros eme medalhas de ouro – sete--, ao lado de Hugo Hoyama e Cláudio Kano, do tênis de mesa; e o recordista absoluto em conquistas, com 15 medalhas (sete de ouro, seis de prata e duas de bronze).  No Pan 2003, em Santo Domingo, na República Dominicana, foram quatro medalhas (ouro nos 4x100m livre; duas pratas nos 4x200m livre e 4x100m medley, e um bronze nos 100m livre). Gustavo se consolidou como recordista brasileiro de conquistas em Pans até ali.  “Depois do primeiro Pan, eu comecei a acumular medalhas e a querer o recorde. No segundo Pan, eu quase bati o Claudio Kano, que tinha um monte de medalhas. Eu consegui 19.  Aí veio o Thiago Pereira e me desbancou, com a versatilidade dele, nadava o revezamento, nadava cinco provas individuais e ganhava um monte de medalhas. Ficou com 23 medalhas. Quando ele me superou, eu estava lá em Toronto, em 2015”, detalha Gustavo. “Eu brinco com o Gustavo que eu tomei o recorde dele. No meu primeiro Pan eu não imaginava que chegaria a esse recorde. Lá eu ganhei uma medalha de prata e uma de bronze. Os objetivos vão mudando, as coisas vão se encaixando, e eu comecei a acreditar mesmo que eu poderia chegar nesse recorde. Em 2011, no Pan de Guadalajara, foi quando eu conquistei novamente oito medalhas, igual no Rio 2007, e cheguei bem perto do Gustavo. Ali o meu sonho ficou mais perto da realidade”, compartilha o vice-campeão olímpico dos 400m medley, Thiago Pereira. Em 2011 ele se tornou o recordista brasileiro em número de medalhas de ouro em Jogos Pan-americanos até então (oito). A quarta medalha olímpica Na sua estreia nos Jogos Olímpicos Sydney 2000, em 16 de setembro, Gustavo Borges disputou o revezamento 4x100m livre com Fernando Scherer, Carlos Jayme e Edvaldo Valério, os dois últimos estreantes em Jogos Olímpicos. “Sabíamos que Austrália e Estados Unidos estavam em outro patamar naquele momento. Salvo acontecesse uma tragédia, como alguém nadar mal demais ou queimar uma saída, por exemplo, não conseguiríamos pegá-los. E não dava para contar com isso”, revela Gustavo Borges. “Portanto, miramos o terceiro lugar. Era a medalha que havia sobrado para as demais seis equipes que estariam na final”. Contundido, Xuxa foi o primeiro nadador da equipe e entregou a prova na quinta colocação. Gustavo caiu na água ao lado de feras como o russo Alexander Popov e o sueco Lars Frölander, que foi campeão dos 100m borboleta naquela edição dos Jogos. “Dei meu máximo, ganhei uma posição e, quando bati na parede, estávamos em quarto. A briga era grande com Alemanha, Itália, Rússia e Suécia”, lembra.  Carlos Jayme terminou seus 100m em quinto. Edvaldo Valério, o Bala, virou nos 50m ainda em quinto, mas se superou, terminando a prova em terceiro lugar, apenas 37 centésimos à frente da Alemanha.  “Eu estava nadando junto com o cara que sempre foi o meu ídolo. Ganhar a medalha junto com o Gustavo foi muito impactante. Já se passaram 22 anos dessa conquista, mas eu ainda me lembro de todos os passos, desde a eliminatória até a formação da estratégia para a final”, emociona-se Edvaldo Valério. “Coube a mim essa responsabilidade de fechar a prova. O Gustavo Borges me passou muita tranquilidade, entendendo que eu estava bem naqueles Jogos. Foi muito emocionante”, emenda. “Apesar de eu já ter duas pratas, digo que esse bronze do 4x100m livre teve um gostinho especial. Naquele dia, nós quatro nos sentimos realmente campeões”, festeja Borges, lembrando que o quarteto brasileiro vibrou tanto que os australianos e americanos, ouro e prata, estranharam. Admiração do rival Maior rival de Gustavo nas competições dentro e fora do Brasil, Fernando Scherer, o Xuxa, permanece amigo do vice-campeão olímpico até hoje e fez questão de externar sua admiração numa live no canal Gustavo Borges, no Youtube.  “Ele sempre teve consistência de resultado durante o ano todo. Todos os dias eu treinava porque sabia que o cara ia estar lá do lado, na competição”, disse Xuxa. “Por mais rivais que a gente tenha sido nos 100m livre, havia um espírito de equipe, a gente crescia nos revezamentos. Temos personalidades diferentes, mas quando focávamos para fazer uma coisa, separados ou juntos, dava para perceber o tínhamos em comum: vontade, determinação, foco, resiliência, persistência... Eu aprendi a entender e a respeitar as nossas diferenças, porque a gente era diferente em tudo”.   Pensando em desistir Depois de conquistar quatro medalhas no Pan 1999, Gustavo voltou para o Brasil mentalmente exausto e ainda tinha que disputar o Troféu José Finkel três semanas depois. “Tem mais Jogos Olímpicos daqui um ano, estou cansado”, pensava ele. ‘Se eu for para essa competição, é melhor encerrar a minha carreira agora, porque eu não tenho cabeça para competir. Eu não quero!”, raciocinava.  O vice-campeão olímpico pediu ao clube um mês de férias para repensar a carreira. Conseguiu e pode relaxar. “Voltei, fiz o índice olímpico dos 100m livre e optei por não nadar. Nadei só o revezamento e encerrei minha carreira lá em Sydney 2000”, divide.  Nadando com Rodrigo Castro, Carlos Jayme e Jader Souza, Gustavo ficou em 12º no revezamento 4x100m livre, dos Jogos australianos em 15 de agosto de 2004, data que marca sua despedida das competições olímpicas.  “O 12º lugar foi o melhor resultado que eu poderia ter tido naqueles Jogos. E eu fiquei muito feliz com isso”, enfatiza Gustavo. Na cerimônia de encerramento, foi o porta-bandeira da delegação. “Foi uma super homenagem! Eu fiz o encerramento. Imagina, nos seus últimos Jogos, no último dia, eu estou lá, carregando a bandeira do Brasil, homenageando o nosso país perante o mundo numa competição. Marcou a minha vida”, agradece.  Borges voltou a participar dos Jogos Olímpicos em Pequim 2008. Dessa vez como comentarista de uma emissora de televisão. Volta ao mundo nadando Em 16 anos de carreira, Gustavo nadou 43 milhões de metros. “Eu sou meio nerd nesse assunto, levei em consideração a média de metragem de treino e não calculei as férias nessa contagem. A volta à terra dá 40 milhões de metros. Sobraram três milhões. Eu subi e desci o litoral brasileiro porque eu achei bonito”, brinca. Em 2012, Gustavo Borges tornou-se o segundo brasileiro a entrar para o Hall da Fama Internacional da Natação, em Fort Lauderdale. A primeira homenageada foi Maria Lenk. Em 2013, teve o nome incluído no Hall de Honra da Universidade de Michigan. O vice-campeão olímpico também está no Hall da Fama da CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos) e agora entra para o Hall da Fama do COB.  “É um reconhecimento da história e eu valorizo muito a história. Quando você tem um Hall da Fama e um reconhecimento de algo que foi feito para o esporte, é muito legal. Outros vão ler, vão ver, vão se inspirar nisso. E de uma entidade que é responsável pelo esporte nacional, que é o COB, ter um Hall da Fama e homenagear os atletas é uma iniciativa superlegal. Fico muito feliz e agradeço de coração a homenagem”, finaliza Gustavo Borges que, além de empreendedor de sucesso, palestrante e autor de livros, agora é pai de atleta.  Luiz Gustavo Borges, seu filho com a ex-nadadora espanhola Barbara Franco, também se apaixonou pelas piscinas.  
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Resultados em Destaque

COMPETIÇÃO RESULTADO PROVA

Jogos Pan-americanos Havana 1991

1º Lugar 100m livre

Jogos Pan-americanos Havana 1991

1º Lugar 4x100m livre

Jogos Pan-americanos Havana 1991

2º Lugar 200m livre

Jogos Pan-americanos Havana 1991

2º Lugar 4x200m livre
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