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Sebastián Cuattrin

MODALIDADE

Canoagem Velocidade

DATA E LOCAL DE NASCIMENTO

06/09/1973 | Rosário, Argentina

JOGOS OLÍMPICOS

1992 | 1996 | 2000 2004 |

CONQUISTAS

1

Medalhas de Ouro

Jogos Pan-Americanos Rio de Janeiro 2007

6

Medalhas de Prata

Jogos Pan-Americanos Winnipeg 1999 Jogos Pan-Americanos Winnipeg 1999 Jogos Pan-Americanos Santo Domingo 2003 Jogos Pan-Americanos Santo Domingo 2003 Jogos Pan-Americanos Santo Domingo 2003 Jogos Pan-Americanos Rio de Janeiro 2007

4

Medalhas de Bronze

Jogos Pan-americanos Mar del Plata 1995 Jogos Pan-americanos Mar del Plata 1995 Jogos Pan-Americanos Winnipeg 1999 Jogos Pan-Americanos Winnipeg 1999

Biografia

Remadas que abriram os caminhos da canoagem brasileira

Diante do pódio, durante a cerimônia de premiação da prova K-1 1000 metros nos Jogos Pan-americanos de Havana, em agosto de 1991, um adolescente de apenas 17 anos, abriu o coração para o seu técnico e disse: “Eu queria estar no pódio!”

Consciente de que o sonho de seu atleta era completamente possível, Carlos Bezerra, o treinador, respondeu: “Treina mais que você vai estar no lugar deles na próxima”.

“Eu vou estar lá. Em algum desses degraus, eu vou estar lá!” prometeu o canoísta brasileiro Sebástian Cuattrin, que havia ficado em quarto lugar em sua prova de estreia na competição, em Cuba. 

Quatro anos depois, no Pan de Mar Del Plata, na Argentina, país em que nasceu, Cuattrin subiu ao pódio duas vezes para receber dois bronzes, as primeiras das 11 medalhas que ele colecionaria em Jogos Pan-americanos ao longo da sua carreira, as primeiras da canoagem brasileira. 

Rio Doce e proibido

Sebastián Ariel Cuatrin nasceu em Rosário, na Argentina, em 6 de setembro de 1973. Filho do professor universitário Alberto Oscar Cuattrin e da professora Sílvia, ele se mudou com os pais e os quatro irmãos, aos cinco anos de idade, para Governador Valadares, em Minas Gerais. A família se instalou na Ilha dos Araújos, um bairro grande. As crianças começaram a estudar numa escola localizada em frente ao Rio Doce. Um rio doce no nome, mas ameaçador, proibido e encantador.

“Eu saia da escola todos os dias, passava na frente do rio e, dois quarteirões depois, virava e entrava na minha casa. Meus pais sempre falaram para eu tomar cuidado, pois o rio tinha corrente, era perigoso e que aconteciam muitos afogamentos. Não queriam me ver perto do Rio”, conta Sebastián, em entrevista exclusiva ao Hall da Fama do COB. 

Cuattrin obedecia aos pais sem questionar, até que um dia, ao sair da escola, viu um amigo da mesma classe subindo e descendo as corredeiras num caiaque. 

“Eu achei aquilo tão fácil, ele fazia com tanta leveza, com tanta facilidade, que me pareceu uma brincadeira divertida. Eu larguei o meu material na beira do rio, o chamei e pedi para ele me ensinar. Ele me botou dentro do caiaque, me deu o colete salva-vidas e me colocou no meio da corredeira. Óbvio que eu capotei, né? Mas foi divertido. Subi no barco de volta e comecei a aprender a remar. Achei desafiador”, relata. 



Às escondidas 

Sebastián se encantou pelo passatempo, subir e descer o rio, se esconder atrás das pedras... Durante duas ou três semanas, essa foi uma aventura secreta.

“Eu fazia aquilo escondido dos meus pais. Falava que ia nadar na casa desse meu amigo e, na verdade, estava no rio, remando com ele. Até que o meu pai descobriu”, revela.

Cuattrin destaca que, em pouco tempo, já havia feito alguns amigos, que viram nele potencial.

“Eram pessoas mais velhas, empresários bem-sucedidos que já praticavam. Eles eram amigos do meu pai e o tranquilizaram dizendo que cuidariam de mim no rio. Eu virei a mascote do grupo”, lembra. 

Na primeira fase da carreira, Sebastián treinava com essa turma duas vezes por dia: antes de ir para a escola e depois que saía da Prefeitura, onde trabalhava como contínuo. 

Bom de esporte 

Antes de conhecer a canoagem, aos 13 anos, Sebastián Cuattrin já havia praticado atletismo, vôlei, handebol, futebol de salão e xadrez, participando de algumas competições estaduais e interescolares com sucesso.

“Eu tive a sorte de ter excelentes professores de Educação Física na minha escola, o esporte sempre foi fonte de diversão. Eu me divertia muito, tinha prazer de competir”, divide.

Ansioso por mais tempo para treinar para os campeonatos de canoagem, Sebastián ousou pedir autorização à professora – Tia Margarida - para substituir as aulas de Educação Física pelos treinos no rio. 

“Eu não sei o que aconteceu na cabeça dela, se Deus iluminou e disse para ela confiar em mim... Só sei que ela me autorizou. Aquilo foi fantástico, um impulso muito grande na minha carreira, porque eu tive a oportunidade de treinar mais horas. Entendi que quanto mais eu me dedicasse, melhores resultados eu conseguiria e mais longe eu iria, mas nunca imaginei que chegaria aos Jogos Olímpicos, jamais”, admite. 

O primeiro caiaque

À medida em que se envolvia mais com a canoagem, novos desafios foram surgindo para Cuattrin. O primeiro deles foi comprar seu próprio caiaque, já que os treinos, no início da carreira, eram feitos com um emprestado.

“Eu guardava todo o meu salário, não precisava gastar com nada. Meu pai sempre falava que tudo que a gente ganhava com o nosso trabalho era para ir poupando, porque, lá frente poderíamos usufruir. Não pensei duas vezes quando apareceu a oportunidade. Um amigo estava vendendo um caiaque, ele foi lá em casa, meu pai liberou e tirou o dinheiro da minha poupança. Meu pai falou que não me daria de presente para que eu soubesse que minha conquista era fruto do meu trabalho. Uma das melhores recordações que eu tenho do meu pai é esse tipo de ensinamento”, emociona-se. 

Rede de apoio

Depois de investir as economias no próprio barco, Sebastián precisava de recursos para participar das competições fora de Minas Gerais.

“Deus foi colocando pessoas no meu caminho, os meus anjos, que foram me ajudando, me fortalecendo e me direcionando dentro da carreira esportiva”, agradece Sebastián. “Os mesmos amigos do meu pai, que já haviam se juntado para cuidar de mim, decidiram patrocinar as minhas viagens e os meus campeonatos. Aos poucos, fui conquistando espaço e vieram outros apoiadores, outros patrocinadores. Nada muito grandioso em termos de números, mas o suficiente para eu conseguir fazer o que eu gostava, continuar trabalhando para ganhar meu dinheirinho e não gastar com aquilo que me dava prazer, que era a canoagem”, completa.

Vitória na primeira disputa

O primeiro título de Cuattrin veio logo na primeira competição, num campeonato em Varginha, no Rio das Mortes.

“Eu tinha um pouco de receio, já pelo nome do rio. Eu pensei: só tem um trecho difícil, se eu capotar nesse trecho, vou ter que desvirar o barco, tirar a água, montar de novo e tentar recuperar o tempo perdido. Larguei feito um maluco, uma prova longa, de 10, 12 quilômetros. Num trecho difícil, que era uma queda d’água grande, tipo um dique, uma represa, eu consegui passar bem, sem virar, e continuei abrindo no resto da parte do rio de água parada, na qual tinha mais intimidade. O resultado foi uma surpresa também para mim, porque eu não imaginava, na minha primeira competição, ganhar uma etapa do Campeonato Mineiro, onde existiam atletas de referência, que tinham muito mais nome, muito mais técnica”, detalha. 

Cuattrin ressalta que não se deslumbrou com o resultado, pois sabia que havia competidores muito melhores e que ele tinha tido a sorte de não os enfrentar na primeira prova. 

“Nesse mesmo ano, fui participar do Campeonato Brasileiro e descobri que tinham dois caras mais rápidos do que eu. Fiquei em segundo, mas também foi uma grande surpresa, uma grande conquista. No ano seguinte, ganhei deles dois, o Ezequiel Bicudo e Mário Bevilácqua, que são meus grandes amigos até hoje”, informa.

Referências

Quando começou a competir, Sebastián Cuattrin tinha como referências alguns esportistas de renome internacional, sendo Ayrton Senna a maior delas.

“Ele tinha muitas qualidades: garra, determinação, senso de justiça e brigava por isso, foco, não se abater com a derrota. Ele era uma referência do mais alto nível para o esporte brasileiro e eu era fã dele”, explica.

O jovem canoísta também se inspirava em Robert Scheidt, Lars Grael e Róbson Caetano. “Outra pessoa que surpreendeu muito na minha vida como atleta e eu me inspirei foi o Robson Caetano. Nós nos conhecemos nos Jogos Pan-Americanos e ele sempre foi uma pessoa muito legal”, diz.

“Eu me sinto honrado em ser referência para o Sebastián e tantos outros jovens que surgiram, observando e dando passos na direção certa do sucesso. Eu tenho profunda admiração pelos determinados e o Sebastián é um deles”, declara Róbson Caetano.



Em busca de evolução 

Enquanto Sebastián se inspirava em outros campeões, seu talento também estava começando a ser observado. Em 1988, veio a primeira convocação para a Seleção Brasileira. Foi quando surgiu a oportunidade de sair de Governador Valadares para morar em São Paulo, na casa do técnico, e treinar na raia da USP (Universidade de São Paulo).

“Quando eu o vi competindo em dois eventos, em Brasília e Ipatinga, detectei um talento nato. São Paulo, na época, apresentava melhores condições de treinamento. Ele foi, desde sempre, um atleta muito aguerrido, disciplinado e focado. Tinha boa estatura, porém com uma estrutura muscular que deveria ser trabalhada. Além de ter uma ótima resistência física, apresentava uma força mental privilegiada. Sabia o que queria. Tinha, e tem, foco e disciplina. Sempre foi um atleta muito inteligente”, lembra o técnico Carlos Bezerra, considerado como um paizão por Sebastián. 

Embora fosse ainda muito jovem, apenas 15 anos, Cuattrin teve todo o apoio dos pais para partir rumo ao seu sonho. A única condição era manter um bom desempenho também nos estudos. “Meu pai falou: 'Vai, a porta aqui está aberta. Se não der certo, você volta. Vai atrás do que você acha que é o seu sonho'”.

Carlos Bezerra faz questão de lembrar que tanto ele quanto os demais técnicos e a canoagem brasileira estavam em fase de aprendizagem nessa época.

“Eu tinha que conciliar o treinamento para o Sebastián com outros afazeres. Quando comecei, no início dos anos 80, aprendíamos as técnicas da remada vendo filmes, aqueles que conseguíamos. A maioria dos brasileiros não sabiam o que era a palavra canoagem. Vivíamos sem recursos financeiros. Muitos equipamentos e viagens foram custeados pelos próprios técnicos, dirigentes e atletas”, conta o técnico.

Desbravador

Em 1989, graças ao apoio dos empresários amigos de Governador Valadares, Sebastián Cuattrin tornou-se o primeiro brasileiro participar de um Campeonato Mundial de Canoagem. Dois anos depois, também foi o primeiro a disputar uma prova de canoagem nos Jogos Pan-americanos. 

“O primeiro Pan foi um troço de louco. A Argentina era um time muito difícil de ser batido, há muitos anos. A gente sabia das dificuldades que íamos ter para tentar derrubá-los e ganhar uma medalha. E ainda tinha os canadenses, os norte-americanos e os cubanos. Estávamos conscientes de que seria uma tarefa difícil, mas também sabíamos que tínhamos treinado muito, nos preparado muito, e que estávamos muito bem fisicamente para isso”, avalia Sebastián, que ficou em quarto lugar. 

“Sou brasileiro”

Argentino naturalizado brasileiro, ele diz nunca ter pensado muito na rivalidade entre os dois países.

“Os atletas argentinos brincavam muto com isso, me chamavam de fugido. Eu sempre considerei como uma brincadeira de bom gosto, nunca fiquei ofendido. Alguns treinadores diziam: pena que ele foi embora. Fugiu, poderia fazer parte do time aqui”, lembra Cuattrin que, diferentemente dos pais e de todos os irmãos, não optou pela dupla nacionalidade. 

“Sem dúvida alguma, eu sou brasileiro”, afirma ele, mostrando o passaporte. “Eu agradeço ao país onde meus pais viveram, onde eles passaram a infância, a adolescência, me criaram, onde eu nasci, mas o país que me adotou foi o Brasil. Eu devo tudo o que eu sou ao Brasil!”, destaca.

Sonho olímpico

Cuattrin também entrou para a história como o primeiro atleta brasileiro da canoagem a disputar uma edição dos Jogos Olímpicos. Foi em Barcelona 1992. 

“Quando eu comecei, nem sonhava com os Jogos Olímpicos, achava aquilo muito longe da minha realidade e estar lá foi uma mistura de emoções diferentes. A primeira delas foi de deslumbramento. Achei tudo lindo, maravilhoso. Pensava: 'Cara, estou aqui, pela primeira vez o Brasil presente. Que coisa louca, que emoção! É a primeira vez que o nosso esporte está aqui participando dos Jogos Olímpicos e eu sou um desses caras que vai inaugurar, romper a faixa'”, emociona-se. 

Sebastián não participou da Cerimônia de Abertura, mas vibrou ao entrar no estádio e ouvir o público gritando “Brasil! Brasil!”, na Cerimônia de Encerramento.

“Quando eu fui para a raia, me vi do lado dos caras que eu assistia pela televisão, os ídolos do esporte, que todo mundo falava a respeito. Minha estratégia era ficar de olho no que eles faziam. Comecei a observar o aquecimento, qual era o tipo de remada, como funcionava. Eu discuti isso com o treinador, com a equipe. Foi quando entendemos que não poderíamos viver longe daquilo. A partir daí eu falei: isso aqui é muito legal! É sofrido chegar, mas é muito prazeroso estar. Vou treinar mais, quero voltar nesse lugar”, diz o canoísta que competiu no K1 500 e 1000 metros e na canoagem de velocidade, mas não conseguiu se classificar para a final.

Malas prontas para a Polônia

Um ano depois de disputar os Jogos Olímpicos, seguindo um conselho do técnico Carlos Bezerra, em 1994, Cuattrin foi para a Europa, onde começou a treinar com o técnico polonês Zdzilaw Szubski. 

“No Mundial de 89, eu havia conhecido um cara que fez a canoagem de Portugal crescer de uma maneira gigantesca. Era um polonês que falava português e me ajudou muito naquele Mundial e fiquei muito grato. Consegui suporte dos meus patrocinadores, os meus pais me ajudaram e eu fui para a Polônia, passar uma temporada. Fiquei com ele seis, sete meses, treinando na Europa”, lembra Cuattrin. 

Szubski conta que o brasileiro chegou de chinelo e bermuda, carregando uma malinha pequena, em pleno inverno polonês, dizendo que queria treinar. O técnico compartilha que os testes realizados mostraram que Cuattrin necessitaria de um trabalho físico sério para ganhar força muscular.

“Eu ensinei a ele que o tempo de trabalho é muito importante, que treinamento sistemático é muito importante, mas que descansar também era fundamental. Ele não sabia descansar. Com calma, ele começou a acreditar em mim e a alcançar melhores resultados”, relata Zdzilaw Szubski. 

“Ele fala até hoje: 'Nunca acreditei que você ia chegar aonde você chegou. Quando você chegou na minha casa, você era um frango'. E realmente eu era bem magrinho”, diverte-se Cuattrin.  

Pouco tempo depois, o presidente da Confederação Brasileira de Canoagem, João Tomasini Schwertner, convidou o treinador polonês para treinar a Seleção Brasileira. 

“Ele voltou comigo para o Brasil. Começou um trabalho de formiguinha na USP, que nos ofereceu alojamento, alimentação, a raia e abriu as portas para que a gente pudesse treinar lá. Aos poucos, fomos crescendo, com esforço e dedicação”, explica Cuattrin. 

Medalhas nos Jogos Pan-americanos

Já com o novo técnico, Sebastián Cuattrin disputou os Jogos Pan-americanos Mar Del Plata 1995 e conquistou as primeiras medalhas da canoagem brasileira na competição: foi bronze no K1 1000m e no K2 1000m, ao lado de Álvaro Koslowski.

“Tive grande confiança para esse Pan. Conhecia um pouco os outros países, não ignorei ninguém, mas sabia que com o trabalho e a dedicação deles, principalmente do Sebastián, era possível ganhar medalha. Coloquei na cabeça deles que havíamos ido lá para ganhar medalhas e que não era para sair sem subir no pódio. Foram as primeiras medalhas na história da canoagem brasileira, acho que nunca vão esquecer. Foi uma maravilha, mas não uma surpresa. Nós trabalharmos e ganhamos”, avalia Szubski.

“Eu me lembro de quando ganhei a primeira medalha. Foi um negócio maravilhoso subir naquele pódio. Foi fantástico! Eu já treinava com o Szubski, mas aquela conquista também foi fruto do trabalho do Bezerra, que me construíra até aquele momento. O novo técnico veio para continuar me construindo”, reconhece Sebastián. 

Uma vaga por um bigode

Em 1º maio de 1996, a seleção brasileira de canoagem participou das provas classificatórias para os Jogos Olímpicos de Atlanta. Na disputa do K2 500 metros, Sebastián e Álvaro Koslowski não conquistaram a vaga por um centésimo de segundo. Sebastián carimbou seu passaporte para participar do K1 1000m nos Jogos Olímpicos.

“A luta foi forte”, diz Szubski.

Apesar da tristeza pela desclassificação de Koslowski, Sebastián conta que se divertiu muito ao ganhar uma aposta com o técnico polonês. Acostumados a apostar, Szubski prometeu raspar o bigodão de estimação que cultivava com o máximo cuidado, há 15 anos, caso o brasileiro conseguisse se classificar para Atlanta 1996. Cuattrin, se perdesse a aposta, teria de raspar todos os pelos do corpo, incluindo as sobrancelhas.